Dom Aloísio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul
Caros diocesanos. Em fevereiro passado o Papa Francisco emitiu uma Exortação Apostólica, chamada Querida Amazônia. Em algumas mensagens semanais trataremos dessa temática, em forma de síntese, pela sua importância na vida da Igreja e mesmo da humanidade. O documento é um prolongamento do Sínodo de outubro/2019: “Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”.
O Papa Francisco considera a Amazônia uma graça, com seu drama e seu mistério próprio. Dirige a Exortação ao mundo e espera que a Igreja adquira rostos multiformes, com encarnada pregação, espiritualidade e estrutura. O documento apresenta 04 sonhos:
- Sonho social: uma Amazônia que luta pelos direitos e pela dignidade dos mais pobres;
- Sonho cultural: uma Amazônia que preserve a riqueza cultural;
- Sonho ecológico: uma Amazônia que guarde com zelo a beleza natural;
- Sonho eclesial: uma Igreja com rostos novos, de traços Amazônicos.
Hoje falaremos sobre o sonho social, que deseja integrar e promover todos os habitantes da Amazônia, sobretudo os mais pobres. Uma verdadeira abordagem ecológica torna-se também abordagem social: o clamor ecológico da terra é também o clamor dos pobres (povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes) que os interesses colonizadores encurralam sempre mais e favorecem correntes migratórias para as periferias das cidades, onde acontecem as piores formas de escravidão, sujeição e miséria.
Nos últimos tempos a Amazônia foi apresentada como um vazio a ser preenchido ou uma vastidão selvagem que deve ser domada, ignorando os direitos dos povos nativos, considerados intrusos ou obstáculos: “Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a destruição do ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se, sobreviver e conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade e sentido” (QA 13). O documento afirma que é preciso indignar-se e pedir perdão. Não podemos nos habituar ao mal da exploração humana, à violência e à morte. É possível superar as mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade sem marginalização, uma pecuária e agricultura sustentáveis, energias não poluentes, fontes dignas de trabalho que não destoem o meio ambiente e as culturas.
O Papa lembra os muitos missionários que deixaram suas terras e se tornaram sinais proféticos junto aos mais desprotegidos. Compromisso que precisa continuar hoje. Francisco pede perdão pelos crimes cometidos contra os povos nativos na conquista da América e os considera memória viva do compromisso de cuidar da Casa Comum.
O espírito social implica na capacidade de viver a fraternidade. Os povos nativos da Amazônia possuem um forte sentido comunitário em sua vida: “Vivem assim o trabalho, o descanso, os relacionamentos humanos, os ritos e as celebrações” (QA 20). Sua vida é um caminho comunitário com tarefas e responsabilidades divididas e compartilhadas, tendo em vista o bem comum. Estas relações humanas estão impregnadas pela natureza que os circunda e aponta para o cerne do evangelho: fraternidade e solidariedade. Por isso, o desenraizamento dos indígenas, forçados a viver no individualismo hostil da cidade, é verdadeira agressão. O documento chama também o Estado e demais instituições para sua responsabilidade, condenando a corrupção que se torna verdadeiro flagelo moral, envolvendo inclusive os próprios nativos e membros da Igreja. Finalmente, os diversos povos nativos são convocados a um diálogo social a fim de encontrar formas de comunhão e luta conjunta, para serem os principais interlocutores.