A igreja perfeita

Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

 Todos nós gostaríamos que a Igreja fosse perfeita. Ela o é, enquanto divina, na sua graça e na sua doutrina. Mas, enquanto humana, não, por causa de seus membros, nós, fracos e pecadores. “Enquanto Cristo ‘santo, inocente, imaculado’, não conheceu o pecado, e veio expiar unicamente os pecados do povo, a Igreja, que reúne em seu seio os pecadores, é ao mesmo tempo santa, e sempre necessitada de purificação…. A Igreja continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha. No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz” (Lumen Gentium, 8)

   É conhecida a história fictícia de um cristão do primeiro século, que teria reclamado com São Paulo, Apóstolo, sobre a Igreja em que vivia, dizendo que preferia se mudar para outra comunidade cristã, uma fundada por ele, que não tivesse problemas, Corinto, por exemplo. São Paulo lhe responderia: Na Igreja de Corinto há discórdias e grupos que se dividem (1Cor 1, 12), partidos e contendas (1Cor 3), brigas (1Cor 6, 6) e mesmo imoralidades (1Cor 5, 1). E a Igreja de Éfeso? São Paulo responde que lá também há decadência e tibieza (Ap 2,4-5). E a Igreja de Tessalônica? Lá também há desordens, vadiagem e gente intrometida (2Ts 3, 11). E a Igreja de Filipos? Lá há duas irmãs da Igreja que vivem em discórdia (Fl 4, 2). E a Igreja de Colossos? Lá há cristãos orgulhosos e que se baseiam em pretensas visões (Cl 2, 18). E a Igreja da Galácia? Lá há cristãos se mordendo e se devorando uns aos outros (Gl 5, 15). E a primeira Igreja, a de Jerusalém? Lá há preconceituosos (Gl 2, 12 ss), murmuradores (At 6,1), e mentirosos, querendo aparecer (At 5, 1-11). Igreja sem problemas só no Céu, a Igreja triunfante. Aqui na terra a Igreja é militante, sempre em luta contra o mal e inimigos, externos e internos.

  Como toda família, a Igreja, divino-humana, tem problemas, devidos à sua parte humana. Jesus disse que o “Reino de Deus” aqui na terra, a Igreja, é semelhante a uma rede, com peixes bons e maus, e a um campo com trigo e joio. A depuração será só no fim do mundo.

   Essa noção de família é muito importante na eclesiologia. A Igreja é algo objetivo, fundada por Nosso Senhor sobre os Bispos, segundo a sucessão apostólica. A Igreja não é um grupo de amigos. “Na Igreja, eu não procuro meus amigos, eu encontro meus irmãos e minhas irmãs; e os irmãos e as irmãs não se procuram, se encontram. Esta situação de não arbitrariedade da Igreja na qual eu me encontro, que não é uma igreja da minha escolha, mas a Igreja que se me apresenta, é um princípio muito importante. Isto não é minha escolha, como se eu fosse com tal grupo de amigos ou com outro; eu estou na Igreja comum, com os pobres, com os ricos, com as pessoas simpáticas e não simpáticas, com os intelectuais e os analfabetos; eu estou na Igreja que me precede” (Ratzinger, Autour de la Question Liturgique, Fontgombault, 24/7/2001).

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