O reconhecimento do chamado de Deus

Dom Antonio de Assis Ribeiro SDB
Bispo Auxiliar de Belém do Pará (PA)

 

Introdução

   Já refletimos sobre a importância da questão vocacional afirmando que ela traz consigo o inevitável compromisso com o sentido da vida e a felicidade pessoal. Deus que nos deu a vida nos chama à felicidade abraçando uma vocação específica.

  Portanto quando refletimos sobre vocação necessariamente devemos considerar a liberdade humana. Se vocação é um chamado de Deus, então toca ao ser humano, movido pela fé, a liberdade do discernimento da voz de Deus e a pessoal responsabilidade da decisão.

   Portanto, admitir que Deus nos chama para realiza a sua vontade significa assumir a verdade de que Ele toma iniciativa, nos chamando à vida e deseja interagir conosco. Ele quer ser partícipe da nossa felicidade. Mas devemos nos questionar: o que devemos fazer, quais processos percorrer, quais compromissos assumir? Hoje queremos lhe apresentar algumas pistas e experiência do processo de descoberta, discernimento e amadurecimento vocacional.

1. Diversas vocações específicas

    Em virtude do batismo recebido, há uma só vocação cristã tendo Jesus Cristo como fonte e, ao mesmo tempo, meta de tudo e condição para a sua realização. Todavia, há uma diversidade de vocações específicas cristãs, tais como: a vocação matrimonial, a vocação ao sacerdócio, a vocação à vida religiosa, vocação à vida consagrada laical, vocação celibatária (solteiros sem voto de castidade).

   Essa perspectiva vocacional não se identifica com o agir profissional. A questão vocacional diz respeito ao nosso estado de vida, ao sentido da nossa existência, à nossa realização pessoal. Isso não se confunde com a questão profissional.

    Um erro vocacional e muito mais sério e profundo do que a troca de profissão. Na vida pessoal podemos exercer múltiplas profissões, mas nos realizamos através de uma escolha fundamental. A profissão é conquista, a vocação é dom de Deus! A profissão pressupõe treinamento e formação, a vocação discernimento e oração.

2. Alicerçadas em Cristo

   Os caminhos são diferentes, assim como são diversos os modos como cada uma respondendo à sua vocação pode se realizar. A meta de todas essas vocações é a santidade e o caminho a ser seguido é Jesus Cristo.

     Deus Pai nos deu um modelo: o chamado a dar sentido para a vida acontece a partir da nossa comunhão com a mentalidade, sentimentos e atitudes de Jesus Cristo. A vocação cristã é viver conforme a vida do Filho de Deus que se encarnou e viveu entre nós. Ele nos mostrou que o verdadeiro sentido da vida está no desenvolvimento da nossa capacidade de amar e servir.

     Eis o que afirma São Paulo: “Em Cristo, toda construção se ergue, bem ajustada, para formar um templo santo no Senhor. Em Cristo, vocês também são integrados nessa construção, para se tornarem morada de Deus, por meio do Espírito” (Ef 2,21-22). “A meta é que todos juntos nos encontremos unidos na mesma fé e no conhecimento do Filho de Deus, para chegarmos a ser o homem perfeito que, na maturidade do seu desenvolvimento, é a plenitude de Cristo” (Ef 4,13).

3. Um processo dinâmico

  Mas como descobrir a nossa vocação específica como cristãos? Como podemos reconhecer o chamado de Deus para o matrimônio, vida Consagrada, vida sacerdotal, para a vida religiosa? Nada é automático! Para chegarmos a uma decisão vocacional é preciso que façamos algumas experiências muito importantes. Reflitamos sobre este processo.

  1. Reta Intenção: antes de tudo, para qualquer busca, é preciso sinceridade, honestidade, reconhecimento da beleza da vida e desejo de felicidade segundo a vontade de Deus. Não podemos mentir para nós mesmos. Felicidade e verdade caminham juntas!
  2. Oração: Deus é a fonte da nossa Vida, então é a Ele que devemos recorrer pedindo-lhe que nos revele a sua vontade, seu projeto para conosco. Foi isso que fez o adolescente Samuel dizendo: «Fala, que o teu servo escuta» (1Sm 3,10). Alimento da oração é a meditação sobre a Palavra de Deus. Ela nos sensibiliza, educa, orienta, forma para a vida.
  3. Acompanhamento espiritual: a revelação da vontade de Deus sobre nós é gradual. Por isso para que o discernimento seja sério é preciso que seja acompanhado por alguém maduro que possa nos ajudar a discernir a vontade de Deus. Nem sempre os sinais são claros. Há muitos fatores a serem considerados. Há muitas vozes do mundo que interferem nessa escuta: o ambiente cultural, a vaidade, as fantasias, a ignorância…
  4. Reconhecimento das inclinações pessoais: a resposta vocacional de cada um se manifesta através as inclinações pessoais; Deus desperta em nós desejos, atrações, tendências… Isso significa gostar de uma vocação, de um estilo de vida, de uma missão; trata-se da admiração por uma vocação específica. Nasce espontaneamente dentro de nós. Não podemos de forma alguma contrariar as nossas inclinações vocacionais. Seria frustrar-se!
  5. Senso crítico: as inclinações devem ser acolhidas, mas devemos ser críticos em relação aos sentimentos, sobretudo, o medo e a euforia. A euforia se manifesta, muitas vezes, através do presentismo e do imediatismo que rejeitam a experiência de uma caminhada que exige o percurso de etapas, de processo de amadurecimento, de experiências várias até se chegar a uma decisão vocacional.
  6. Testemunho de vida familiar: em geral o amadurecimento vocacional acontece dentro do contexto familiar. Cada vocacionado é convidado a partilhar com seus pais e irmãos o que sente, o que está sonhando e amadurecendo. A família é a primeira base de apoio para todas as vocações. Todavia, dependendo da sua situação, o contexto familiar pode ajudar ou dificultar. Mas a vocação é sempre dom de Deus!
  7. Experiências de serviço: toda vocação comporta um serviço! Por isso, outro ingrediente muito importante que ajuda no amadurecimento humano e discernimento vocacional é o engajamento eclesial e o serviço voluntário. Maria fez essa experiência, saindo de si e indo ao encontro das necessidades da sua prima Isabel. Quem, desde cedo, não cresce na consciência da gratuidade do servir, está em dívida com o desapego. Deus nos chama para servi-lo nos necessitados! Vocação é serviço!
  8. Liberdade interior: enfim, o processo de discernimento vocacional implica coragem e decisão pessoal: quem tem medo de tomar decisões nunca irá a lugar nenhum! O futuro é sempre um “companheiro desconhecido!” Viver é correr riscos! Mas é preciso arriscar, ousar, lançar-se, acreditar, lutar, disponibilizar-se! (cf. Mt 25,14-30). Quem tem medo de tomar decisões ou fazer a experiência da busca por um sentido para sua vida, nunca vai ser feliz!

     É preciso não ter medo de tomar decisões sérias, serenas e maduras. Quando Deus nos chama para uma missão, também nos assegura a felicidade e todos os meios para que tudo se cumpra. O medo é normal; perder a liberdade, não! Coragem!

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

1. O que seria um erro de decisão vocacional?

2. Por que a vocação é mais exigente do que a profissão?

3. Por que o presentismo e o imediatismo atrapalham o processo de amadurecimento vocacional?

https://www.cnbb.org.br/dom-antonio-assis-o-reconhecimento-do-chamado-de-deus/

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