Presidente da Comissão para o Laicato fala do protagonismo de cristãos leigos na Igreja
Há dois anos à frente da Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o bispo de Tocantinópolis (TO), dom Giovane Pereira de Melo, faz uma análise do protagonismo dos cristãos leigos e leigas na Igreja no Brasil e na sociedade. Segundo ele, na Igreja no Brasil há um laicato ativo, consciente do seu batismo que vive e assume a sua fé de forma responsável, organizada e que está inserido nas comunidades eclesiais, nos diversos ministérios suscitando uma nova vida nas comunidades, pastorais, movimentos, organismos e serviços laicais. Por outro lado, o bispo indica que ainda falta o mesmo protagonismo dos leigos na sociedade apesar do esforço feito pela Igreja no Brasil. “Temos ainda o desafio de um laicato que não se preocupa com sua formação, organização e atuação crítica na sociedade, cristãos que veem a política como coisa suja, que não conseguem fazer uma análise crítica do atual quadro de crise sistêmica que estamos vivendo”, disse.
O presidente da Comissão para o Laicato da CNBB afirmou existir também o clericalismo do clero e dos próprios leigos em muitos espaços eclesiais o que, em sua avaliação, aponta para o desafio de pensar essa forma sinodal da Igreja ser. “Já conquistamos avanços significativos na eclesiologia quando o Concilio Vaticano II pensou a Igreja como Povo de Deus. O atual Papa afirma com força que o caminho da Igreja é a sinodalidade; esse é o caminho autêntico da eclesiologia do Vaticano II”, destacou. Acompanhe, a seguir, a íntegra da entrevista, concedida ao portal da CNBB nesta semana em que o Mês Vocacional é dedicado a refletir sobre a vocação dos cristãos leigos e leigas e os diferentes serviços que realizam na Igreja.
Como o senhor, como presidente da Comissão para o Laicato da CNBB, avalia a presença dos Cristãos leigos e leigas na Igreja no Brasil?
Na Igreja no Brasil há um laicato ativo, consciente do seu batismo que vive e assume a sua fé de forma responsável, organizada, e que está inserido nas comunidades eclesiais, nos diversos ministérios suscitando uma nova vida nas comunidades, pastorais, movimentos, organismos e serviços laicais. São cristãos leigos e leigas que pedem da Igreja a necessária confiança para que eles possam “desenvolver uma cultura eclesial própria e marcadamente laical”.
Para a Igreja estar presente em determinados ambientes ela precisa de um laicato consciente, bem formado, livre e com um incisivo protagonismo sendo eles os “atores privilegiados”. Trata-se de pensar uma Igreja Povo de Deus, toda ministerial que tem o sacramento do Batismo como base da identidade e da missão de todo cristão (LG n. 31). Cristãos leigos conscientes do seu compromisso profético, cientes que o campo especifico deles é o mundo, a vida publica, e daí vem à necessária formação que deve ser programada, sistemática considerando especialmente a Doutrina Social da Igreja.
Na presença e atuação consciente do laicato na Igreja e na sociedade precisamos destacar a presença e atuação da mulher; muitos serviços e ministérios são exercidos pelas mulheres. Elas constituem a maioria das nossas comunidades, são as primeiras na transmissão da fé (catequistas) e na colaboração dos pastores (DAp 455). Elas precisam participar plenamente da vida eclesial e a Igreja precisa favorecer espaços e estruturas que promovam essa maior inclusão (DAp 454). Na exortação apostólica Evangelli Gaudium, o Papa Francisco insiste que a presença das mulheres deve ser garantida nos diversos âmbitos onde se tomam as decisões importantes na Igreja e na sociedade (EG 103).
Não podemos deixar de falar também da importante presença do laicato que está organizado e vive sua fé batismal nas diversas expressões da religiosidade popular ou catolicismo popular e suas organizações. Através das imagens, símbolos, tradições, ritos e sacramentos essas pessoas expressam sua fé e sua pertença à Igreja Católica. São grupos organizados em irmandades, associações, confrarias onde os cristãos leigos assumem papel de liderança; essas expressões religiosas precisam de acompanhamento, de catequese apropriada. “Na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou em uma cultura e continua a transmitir-se” (EG n. 123).
Que desafios ainda restam para que os leigos exerçam seu protagonismo na Igreja no Brasil?
Já avançamos bastante, mas o caminho da consciência crítica da vocação, da missão, da formação e organização dos cristãos leigos na Igreja e na sociedade é longo e precisa continuar a ser construído pelos cristãos leigos e pelos pastores da Igreja. Já conquistamos avanços significativos na eclesiologia quando o Concilio Vaticano II pensou a Igreja como Povo de Deus, mas diante das ameaças de retrocessos dentro da Igreja é preciso sempre insistir e retomar esses fundamentos. Nessa retomada temos em nosso favor os posicionamentos e as atitudes do Papa Francisco.
O atual Papa afirma com força que o caminho da Igreja é a sinodalidade; que esse é o caminho autêntico da eclesiologia do Vaticano II. O Papa Francisco pensa uma Igreja com forte protagonismo do laicato, que vive a comunhão e a participação, que respeita a dignidade e igualdade de todos os batizados, pelo complemento de carismas e ministérios (cf. documento final do sínodo para a Amazônia n. 91). Uma Igreja onde a evangelização é vista como responsabilidade de todos e exige a participação das forças vivas da Igreja; uma Igreja protagonista do cuidado da Casa Comum, da proteção e defesa dos direitos dos povos originários e dos direitos da natureza, uma Igreja que opte pela vida.
Essas grandes intuições do Vaticano II são os fundamentos da Igreja no pontificado do Papa Francisco e que encontramos sintetizados na Evangelii Gaudium, na Laudato Si com o seu ápice no Sínodo para a Amazônia. Esse projeto de Igreja, com a simplicidade do Papa Francisco, do seu estar próximo das pessoas vem conquistando a simpatia e a adesão entusiasmada de muita gente, dentro e fora da Igreja, mas há também sinais de fortes resistências tanto no interior da Igreja, como de setores da sociedade. Esse é um grande desafio a vencer.
Para viver a Igreja do Concilio Vaticano II será necessário viver a metodologia do caminho sinodal de ver, escutar, discernir; onde a realidade é mais importante que a ideia (EG 231-233); essa é a metodologia que deve marcar os espaços eclesiais em que se decide a caminhada da Igreja como as assembleias de planejamentos, reuniões, conselhos pastorais e outros. Em muitos espaços eclesiais onde domina o clericalismo do clero e de leigos é um desafio pensar essa forma sinodal da Igreja ser.
Não se faz protagonismo sem uma clara consciência da vocação, da missão e da necessária organização do laicato; por isso é preciso pensar um projeto de formação dos cristãos leigos e leigas. Anos atrás aconteceu nos regionais seminários que levantaram experiências de formação nas igrejas locais, a Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da CNBB está retomando esse projeto; é nosso desejo oferecer às dioceses no Brasil indicativos básicos para a formação dos cristãos leigos e leigas; também na organização no laicato em conselhos ainda há pouca compreensão e resistência em muitas dioceses.
c) E sobre a atuação dos leigos na sociedade qual o desafio colocado para este tempo?
Inicialmente gostaria de ter um olhar otimista quanto à atuação e presença do laicato na sociedade. Tenho acompanhado nesses dois anos na presidência da comissão do laicato e principalmente depois do Ano Nacional do Laicato e da publicação do documento 105 “Cristãos leigos e leigas, na Igreja e na sociedade” da CNBB uma maior consciência do papel do cristão leigo na vivencia da sua vocação na realidade do mundo, na família, no mundo do trabalho, da política, da economia, da cultura, da arte, dos meios de comunicação social.
Essa atuação do laicato na sociedade se faz de forma organizada, merece destaque aqui a atuação do Conselho Nacional do Laicato no Brasil (CNLB) com suas diversas comissões, como a Comissão de Fé e Política; o Centro de Fé e Política Dom Helder Câmara (CEFEP) que oferece cursos de fé e política anima e assessora mais de 70 escolas de fé e política pelas dioceses e regionais; a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB formada por cristãos leigos e leigas e que têm como missão a reflexão e defesa dos Direitos Humanos, a democracia e a justiça. Esses organismos e serviços que tem à frente o laicato consciente e organizado na Igreja e na sociedade estão à frente de lutas significativas em favor da Democracia, da liberdade de imprensa, de políticas publicas para a saúde, educação, trabalho, moradia, segurança, e campanhas como a Vida por um fio que visa a autoproteção de comunidades e lideranças ameaçadas; a campanha Amazoniza-te que visa articular lideranças, comunidades tradicionais, da Igreja e diferentes organismos na defesa da Amazônia, seu bioma e seus povos, e a campanha É Tempo de Cuidar expressão da solidariedade junto aos grupos mais vulneráveis vitimas da pandemia do covid 19.
Os organismos ligados à Comissão para o Laicato da CNBB preocupados com a próxima eleição vêm dedicando tempo na construção de cartilhas e de um hot site sobre as eleições municipais 2020; na realização de seminários on line de capacitação de políticas publicas; na articulação da Rede de Fé e Política; articulam ações em favor dos grupos mais vulneráveis da pandemia da Covid 19 fazendo crescer a rede de solidariedade; as manifestações de apoio e solidariedade à carta ao Povo de Deus que 152 bispos assinaram e que faz criticas ao desgoverno do país e o apoio, defesa e a ampla divulgação do Pacto pela Vida e pelo Brasil publicado em abril passado são ações que dão prova que temos um laicato que é sujeito consciente da sua atuação na Igreja e na sociedade.
Temos ainda o desafio de um laicato que não se preocupa com sua formação, organização e atuação crítica na sociedade, cristãos que veem a política como coisa suja, que não conseguem fazer uma análise crítica do atual quadro de crise sistêmica que estamos vivendo. Por isso, é preciso levantar a voz, fazer ouvir o coro dos lúcidos, apontar caminhos de esperança, motivar a organização do laicato na Igreja e na sociedade para podermos construir a sociedade e um Brasil mais justos, fraternos e solidário, conforme o sonho de Deus.
Foto da capa: Encontro diocesano de leigos e leigas de Dourados (MS)